plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Avó
Juliana Petermann 
Professora universitária

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O ano começou e eu gosto de projetar o devir nas palavras. De colocar a esperança e a leveza nas páginas que preencho. Mas, dessa vez, confesso que perdi as letras, o fio da meada. Até tentei, mas é página em branco e cursor piscando. E o artigo do jornal, o texto para o congresso, um parecer? Eu sou das palavras e como é que elas me somem assim, desse jeito? Mas vem aqui e deixa eu te contar o que está acontecendo. Na publicidade, a gente costuma dizer que as ideias vêm em fila. E, num processo de criação chamado brainstorming, é necessário colocar para fora aquelas que vêm primeiro, para que outras possam surgir. Jogar para fora o que está mais na superfície. Assim, não tenho como ignorar a vontade suprema das palavras e a força incondicional das ideias: eu estou de luto e preciso falar da morte.

MÃE

Ainda que eu não quisesse tratar do privado no público, eu não tenho como disfarçar. Querer que as palavras falem por mim. Quando elas falam de mim, das coisas que sinto e do jeito como está batendo meu coração. Nos primeiros cinco dias do ano, eu me despedi da minha sogra. Mãe do meu marido, obviamente. Mas eu quero dizer isso, porque foi mãe com toda a força da palavra. Avó do meu filho, obviamente. Mas, para além dos diferentes papéis familiares que cada pessoa assume, foi a avó mais doce que meu filho merecia ter. E eu, que já não tinha mais a minha mãe, encontrei nela a fonte do cuidado, do carinho e da experiência. Fátima, como se faz pizza de sardinha? Como se dá banho no bebê? Como você acha que eu poderia costurar isso? Como se tira essa mancha? Qual chá é melhor para cada coisa? Qual o ponto do brigadeiro?

FÁTIMA

Fátima sabia tudo de tudo. E sabia mais: sabia ensinar o que sabia e sabia acarinhar. Sabia fazer e ser doce. E embora eu não quisesse que esse fosse o meu primeiro texto do ano, eu preciso ser honesta comigo e respeitar a ordem das palavras. E, nessa combinação, eu tenho mais uma coisa para dizer: falar da morte é falar da vida. Daquela que se acabou, mas que foi lindamente vivida. Das vidas que seguem diferentes, faltando um pedaço, é verdade, mas com as lições que a falta deixa. Que só o término permite que a gente veja. Enquanto eu estava à procura da minha escrita, tentando burlar a necessidade de falar sobre o que eu falo aqui, leio: "Espécie humana pode ter triunfado graças às avós, dizem pesquisadores de Harvard." Decido, então, falar sobre a Fátima, minha sogra, avó do meu filho, que confirma a manchete e que deixou de legado amor e saudade.

Enfim, praia!
Eni Celidonio
Professora universitária

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E aí você trabalha o ano inteiro pensando naquela praia no fim do ano: muito sol, água do mar, cervejinha, água de côco (é isso mesmo, revisão, tiraram o acento, mas há controvérsias, logo, eu ponho para evitar problemas), um delicioso descanso, uma tranquilidade... Tranquilidade? Eu disse tranquilidade? Pois é, seria tranquilidade, mas é o tal negócio de expectativa e realidade. Essa é a expectativa, mas a realidade é bem diferente.

A praia cheia, mas não são só os banhistas não: têm também as malditas caixas de som! Gente, é desesperador! O grande problema é que cada um resolve ouvir sua música de preferência, até aí nada... O problema maior é que o sujeito resolve que se ele gosta de funk, toda a praia tem que gostar de funk; se ele gosta de sertanejo, todo banhista tem que gostar de sertanejo, e isso na maior das alturas. Conclusão: não se ouve absolutamente nada, porque os sons se misturam e os nossos tímpanos acabam tendo a exata noção do que significa o termo "sofrência".

E não adianta reclamar, você tem obrigação de suportar aquela confusão de sons, você quer conversar e não consegue, fica com a cabeça martelando aquele som alto, mas tão alto, que tem vontade de mandar todos à... Deixa pra lá...

Antes, essas caixas eram colocadas em carros, aliás, na cidade ainda tem essas maravilhas. Aqui mesmo, em Santa Maria, às vezes passa um espécime desses aqui na rua, mas passa e a tranquilidade volta a reinar. Outras vezes, você está passando numa rua qualquer, a pé, e de repente o chão começa a tremer, você olha para as vitrines para ver se os vidros estão se quebrando, se estão sendo abertas crateras no asfalto, mas não, é um carro rebaixado com o som nas alturas passando como se a cidade fosse só dele. Olha, com todo o respeito, até gostaria que o asfalto se abrisse e engolisse o raio do carro, sério... No Rio a gente chama esses motoristas de Magal; aqui eu não sei como se chama, não quero saber e tenho raiva de quem sabe.

Agora esse lance de som de carro está meio fora de moda. Agora, são as caixas de som que mesmo as pequenas têm uma potência absurda! Nada contra música, eu respeito o gosto de todos, só acho que todos deveriam ter respeito pelo nosso gosto musical, se é que vários sons ouvidos juntos, numa altura absurda, possa ser chamado de música. Não sei qual é a graça de trazer esse sofrimento para os nossos ouvidos, sério. A vontade que me dá é colocar barulhos de tiros, explosões etc. para fazer frente ao barulho ensurdecedor das caixas de som na praia.

Se você está indo para a praia e não quer enlouquecer, use um protetor de ouvido para que consiga passar incólume pela praga do som alheio. E outra: o protetor evita infecção de ouvido. Do contrário, nem chega na praia pensando em descanso, porque tem gente que acha que a praia é particular e que é lugar de rave!

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